Cultura

O metafísico De Chirico ganha a sua maior exposição no Brasil

Italiano que influenciou o surrealismo terá mostra que passa por Porto Alegre, BH e SP
'Piazza d'Italia com statua di Cavour' (1974), de Giorgio de Chirico. A obra estará na exposição 'De Chirico e o sentimento da arquitetura' Foto: Divulgação / Agência O Globo
'Piazza d'Italia com statua di Cavour' (1974), de Giorgio de Chirico. A obra estará na exposição 'De Chirico e o sentimento da arquitetura' Foto: Divulgação / Agência O Globo

RIO - Isto não é uma praça. É a memória afetiva de uma praça. Nela, cabem a vela de um barco e a chaminé de uma indústria. Para Giorgio de Chirico (1888-1978), um dos mestres da pintura no século XX, os espaços públicos não são reais, mas sentimentos que se têm das cidades a partir do silêncio e da melancolia. Suas praças imaginadas (como em “Orfeo Trovatore stanco”, de 1970) agora chegam ao Brasil, na maior exposição do artista no país. Parte do Momento Itália-Brasil, a exposição “De Chirico e o sentimento da arquitetura” será inaugurada nesta quinta-feira para convidados e amanhã para o público em Porto Alegre, na Fundação Iberê Camargo.

Itinerante como o próprio autor — italiano nascido na Grécia, De Chirico morou em Ferrara, Florença, Roma, Turim, Munique, Paris e Nova York —, a mostra irá a Belo Horizonte em março de 2012 e, depois, passará por São Paulo, de maio a agosto. São, ao todo, 45 pinturas, 11 esculturas e 66 litografias, essas dos anos 1930, criadas para poemas de Apollinaire. As demais obras datam da década de 1940 em diante, considerada a segunda fase do artista que, no início do século passado, fundou a arte metafísica.

Quando Magritte chorou

Por arte metafísica, explica a curadora italiana Maddalena d’Alfonso, é preciso entender algo como a pintura de memórias afetivas, distinta do surrealismo, em que o sonho e os delírios tornam-se os temas.

— De Chirico pintava desde criança, mas o que acontece é que, em Florença, sentado numa praça no fim da tarde depois de uma longa doença, ele, de repente, vê a praça completamente transfigurada, como se tivesse aparecido pela primeira vez. Ali, ele vê as coisas pela primeira vez e percebe que é o homem quem dá aos espaços um sentido narrativo — explica a curadora.

As obras que vêm ao Brasil são de um momento posterior, quando De Chirico já havia rompido com a metafísica e, então, decide voltar a ela, com o traço mais maduro. É dessa fase o emblemático trabalho “O filho pródigo”, em que um homem, na praça, confronta-se com sua criação ou ainda, segundo a curadora, “a arte moderna volta a compreender a importância da arte antiga e retoma dela seu sentido original”.

É difícil não ver “O filho pródigo” como a volta do próprio De Chirico à sua casa original, a metafísica. Maddalena d’Alfonso lembra que o artista viveu grandes decepções e rompeu com colegas, como Carlo Carrà, seu parceiro na arte metafísica, e chegou a ser declarado morto por André Breton depois de mudar radicalmente de estilo. Justo ele que, como conta a curadora, teria feito René Magritte chorar diante de um de seus quadros. Hoje, a produção da primeira fase encontra-se espalhada pelo mundo. A Fundação Giorgio e Isa de Chirico, em Roma, tem obras do segundo período e as cedeu ao Brasil após trabalho da curadora.

Maddalena tem 39 anos e estuda a relação entre espaços públicos e imaginários. Veio ao Brasil pela primeira vez há dois anos, quando estudava Iberê Camargo. Num dos encontros na instituição de Porto Alegre, descobriu que Iberê havia estudado com De Chirico.

— Fiquei encantada com as relações. Falamos sobre imaginário, sobre a importância do espaço público para De Chirico e sobre uma forma que o liga um pouco à antropofagia, porque ele associava imagens de cidades diferentes que constroem o homem moderno, um indivíduo que, de fato, não é de nenhum lugar — lembra.

Ela chegou a tentar trazer ao país obras da primeira fase de De Chirico, mas, por exigências de instituições como o MoMA, a mostra teria que ser curta e restrita apenas a Porto Alegre. Maddalena optou por focar, então, no que chama de “momento mais maduro” da carreira do artista, em que, afirma, as obras sintetizam melhor seu trabalho.

Na exposição, desenhada e montada por uma equipe italiana, o visitante passará primeiramente diante das praças, a partir da ideia de que o percurso deve ser feito de fora para dentro, do espaço público para o indivíduo. Na última sala, vai encontrar pinturas em que praças e construções invadem os corpos, como em “Archeologi”, de 1968. É como se a arquitetura das cidades, enfim, se revelasse dentro de cada um.